
O ar do tempo na 21.ª edição do Circular Festival de Artes Performativas
O ar do tempo, um tempo limite, que a 21.ª edição do Circular Festival de Artes Performativas acompanha, com um programa que aborda a prática artística nas linguagens de fronteira, num território que é também de resistência, como este tempo impõe. Do vodu haitiano às sonoridades afrofuturistas; das memórias do PREC às particularidades de duas aldeias remotas distintas; do som, imagem e movimento à interdisciplinaridade entre o palco e o ecrã; das estreias absolutas na dança às propostas e lançamentos musicais no feminino, tudo acontece de 20 a 27 de setembro, em Vila do Conde.
A 21.ª edição do Circular Festival de Artes Performativas arranca em Vila do Conde no sábado, com uma Conversa com Carlota Lagido (20 SET 15h, Teatro Municipal), bailarina, coreógrafa, figurinista e artista visual, desenhista de aves e outras naturezas, cuja prática artística assume características transdisciplinares, no cruzamento do desenho e do vídeo com a performance, uma proposta no âmbito do programa Protótipos de Encontro, promovido pelo Circular. Na sessão, a artista partilha imagens e reflexões em torno de O Lugar do Meio, projecto que dirige em Alfafar (Penela) em torno da prática artística e da experimentação no contexto ddas situações de encontro proporcionadas pelas residências artísticas.
O dia segue com Priscila Fernandes, que inaugura Fanfare 2025 (20 SET 17h, Solar) – iniciativa do Circular e da Solar Galeria de Arte Cinemática – uma interpretação contemporânea do icónico filme holandês Fanfare (Bert Haanstra, 1958), que observa a realidade absurda e melancólica de uma banda filarmónica amadora de uma pequena aldeia, para lançar uma reflexão sobre o colapso colectivo num tempo de polarização e crise ecológica, contando com a participação dos músicos de De Bergklanken e com o apoio da Mondriaan Fonds. Priscila Fernandes – que trabalha na pintura, desenho, instalação, fotografia, vídeo e edição de livros, questões sobre liberdade individual e coletiva, precariedade, mercantilização do tempo e violência nas sociedades contemporâneas – convida para o espaço CAVE a artista visual transmontana Carolina Garfo, que se situa entre a performance, o vídeo e a experimentação sonora, com um interesse contínuo por práticas tradicionais, saberes populares e objectos lúdicos, e nos apresenta Raverina, uma personagem que nos leva numa história fantástica sobre as tradições únicas da aldeia de Alsobio, no Algarve, contada através dos olhos de uma pesquisadora e artesã especializada em brinquedos. De destacar a Conversa Performativa (20 SET 18h, Solar) entre a artista Priscila Fernandes e alguns os músicos Jacoby Bos, Willemiek Nijdam e Harm Nijdam.Ao fim da tarde, sobe ao palco Cooperativa (20 SET 20h30, Teatro Municipal), de Ana Rita Teodoro, Clarissa Sacchelli, Daniel Pizamiglio, Filipe Pereira, João dos Santos Martins, Sabine Macher, Laura Salerno, um grupo de pessoas que, evocando os momentos quentes do PREC, se propõe trabalhar um sistema cooperativo para produzir uma coreografia: não produzem legumes, vinho ou azeite, mas partem do princípio de que criar um corpo de governação partilhada é uma acção paradoxal de insistência e concessão, propondo-se estender as conquistas democráticas de há 50 anos atrás através da dança. Este grupo, que junta artistas de Portugal, Alemanha e Brasil, é formado por João dos Santos Martins, cuja prática partilha a coreografia, a curadoria, a edição e a investigação; a bailarina, escritora e fotógrafa Sabine Macher; Laura Salerno no desenho e instalação de luz e na interpretação; o coreógrafo, bailarino e designer floral Filipe Pereira; o coreógrafo, performer e pesquisador Daniel Pizamiglio: Clarissa Sacchelli, cuja actividade gira em torno da dança; e a artista interdisciplinar Ana Rita Teodoro.
O dia termina com a estreia nacional de MOS (20 SET 22h40, Auditório Municipal), uma criação de Ioanna Paraskevopoulou, muito jovem e premiada bailarina e coreógrafa grega, cuja prática emergente explora a relação entre os meios audiovisuais e o movimento, procurando expandir o campo coreográfico através de metodologias híbridas, contando com o apoio da Onassis Stegi Foundation nesta primeira apresentação em Portugal. Ioanna tem colaborado com vários coreógrafos e artistas, em projectos interdisciplinares que abrangem teatro, cinema e artes visuais, entre o palco e o ecrã, misturando som, imagem e movimento. Orienta também o workshop Dancing Memories (22 SET 18h30, Conservatório de Musica, Teatro e Dança), gratuito, dirigido a pessoas de todas as idades, com inscrição obrigatória.
Durante a semana, em estreia absoluta, apresenta-se a performance-ritual Quando os Anjos Falam de Amor (23–27 SET, sob marcação), de Henrique Furtado Vieira, com Catarina Vieira, Leonor Mendes e Sérgio Diogo Matias, uma iniciativa do Circular, em parceria com o Temps d’Images e o Asta – Teatro e Outras Artes. A partir de uma inscrição prévia, a acção acontece num formato inusitado: em casa, através de uma visita a famílias e constelações afectivas, para invocar outras formas possíveis de cuidado, cruzando gestos íntimos e escuta colectiva, para eleger o amor como prática transformadora, uma iniciativa inspirada por bell hooks e guiada por lutos e sonhos. Henrique Furtado Vieira é bailarino, performer e coreógrafo, e desenvolve a sua prática artística entre a criação coreográfica e a colaboração como intérprete com vários artistas.
O segundo sábado do Circular arranca com o lançamento de mais uma edição do jornal Coreia (27 SET 17h30, Teatro Municipal), uma publicação semestral fundada em 2019, com foco discursivo e experimental nas artes, especialmente articulada com a dança. Para o lançamento do número 13, Inés Sybille Vooduness, uma das autoras da edição, apresenta Santa de Sustrato Autónomo (27 SET 17h30, Teatro Municipal), obra que convoca Erzulie, divindade do vodu haitiano, em diálogo com Santa Inês, o kuduro e uma dramaturgia marcada por referências digitais e espiritualidade diaspórica. Inés Sybille Vooduness nasceu em Barcelona, filha de mãe catalã e pai haitiano, e vive actualmente em Lisboa. Integrou o coletivo Ku’dancin Afrobeatz, onde aprofundou a sua pesquisa sobre o kuduro, estilo urbano de Angola, e o coupé décalé, dança e música urbana originária da Costa do Marfim.A produção musical no feminino destaca-se este ano com Leida (27 SET 21h, Igreja Matriz de Vila do Conde), de Mariana Dionísio, com Leonor Arnaut, Beatriz Nunes, Filipa Franco, Nazaré da Silva, João Neves, Hugo Henriques, Diogo Ferreira, a afirmação de um instrumento acústico a oito vozes, feito através da vontade de um gesto que vai chamando objectos numa orquestra parametrizada, plástica e emancipada, um sintetizador que Mariana Dionísio – cantora, improvisadora e compositora, que questiona o papel da voz na tradição musical e explora o seu potencial técnico, tímbrico e poético – diz ainda estar a aprender a usar.
A noite é marcada pela estreia absoluta de orbital gesture (27 SET 22h15, Auditório Municipal), de Raul Maia, uma migração do skate da rua para o palco, num exercício quase hipnótico, em que este se torna o elemento de mediação com tudo o que está à volta, num caleidoscópio experiencial, onde o gesto que projecta para o espaço é o mesmo que permite o diálogo com o outro, uma forma de redefinir a nossa forma de locomoção, a nossa condição anatómica. Raul Maia é coreógrafo, intérprete, pedagogo, criador sonoro e surfista; viveu na Áustria e Bélgica durante mais de 15 anos, fixando-se recentemente em Portugal. O seu trabalho assenta na investigação, criação e prática de formas alternativas de comunicação física entre intérpretes e sua posterior contextualização em objecto artístico.
A fechar a 21.ª edição do Circular, uma segunda proposta musical no feminino, com XEXA (27 SET 23h30, Auditório Municipal), uma jovem artista multidisciplinar afrofuturista, de ascendência são-tomense, com base em Lisboa e Londres, que explora os campos da produção, sound design, programação e voz, na procura de novas sonoridades, híbridas, entre música tradicional africana e os sintetizadores. Leva a sua música a festivais e espaços pela Europa; foi comissionada pela British Music Library, CMMAS, Lagos Art Biennale, Gnration, Culturgest e ModaLisboa; lançou a mixtape Calendário Sonoro (2021) e o álbum Vibrações de Prata (2023). Xexa apresenta em Vila do Conde o seu último álbum, Kissom, editado pela Príncipe Discos.
Os espectáculos e actividades vão ter lugar no Teatro Municipal e Auditório Municipal de Vila do Conde, Solar Galeria de Arte Cinemática e Igreja de Matriz de Vila do Conde. O festival conta com várias actividades de acesso gratuito e bilhetes combinados para acesso aos vários espectáculos. O Circular é uma iniciativa financiada pela Câmara Municipal de Vila do Conde e pela República Portuguesa / Cultura, Juventude e Desporto, Direcção-Geral das Artes.